ODE MARÍTIMA COM TERRA À VISTA
Um mar encheu e esvaziou-se esta noite.
Não foi uma maré prevista; não foi um engano da lua.
Um mar subiu quando o chamei,
e desceu quando não lhe abri a porta.
Vi-o rebentar as ondas contra a fechadura,
como se quisesse rodar a chave com a espuma.
Mandei-o embora,
disse-lhe que me tinha enganado quando o chamei;
e ele fazia levantar as gaivotas de todos os seus
rochedos,
e obrigava-as a voar em roda do patamar,
para que as suas asas batessem nas paredes.
Pedi-lhe que me deixasse;
e ele obrigava o vento a soprar,
para que o seu sopro entrasse pelas frinchas da porta,
e impregnasse de maresia toda a casa.
Falei-lhe do horizonte, para que me deixasse;
e ele empurrava barcos contra as janelas,
como se isso me levasse atrás das suas velas.
Tranquei todas as portas da casa;
desci os estores; apaguei as luzes.
O mar acalmou, por fim.
Ouvi-o descer as escadas,
e deixar um areal na rua da frente.
De manhã, quando saí de casa,
as gaivotas dormiam;
Não se ouvia nenhum vento;
os barcos naufragados estendiam-se pela rua;
o sol secava a espuma ao longo dos prédios.
Enterrei os pés na areia, como se estivesse na praia,
E atravessei a rua
como se entrasse no mar.
Nuno Júdice
in “A Matéria do Poema”
Lido por Armando Pereira
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